Por Marcelo Alves e Marcelo Pinheiro
Analisando a evolução dos negócios de Venda Direta de 2012 para o primeiro semestre de 2013, identificamos uma retração na contratação de treinamentos. Essa constatação nos surpreendeu, como consultores especializados, pois aponta para um cenário intrigante: como tantos novos negócios, que apresentaram um recorde histórico de projetos de start-ups ingressando na Venda Direta brasileira de 2012 para 2013, não refletiram na mesma proporção a preocupação com capacitação de seu canal de vendas e de seus líderes, atividade fundamental para estruturar a etapa inicial de todo novo negócio?
Uma pesquisa que
analisa a tendência e alocação de investimentos em treinamento, conforme
estimada por empresas dos mais diversos segmentos, e que vem sendo
realizada há sete anos por uma consultoria especializada em RH, em sua
edição 2013 (divulgada no início do ano na revista “T&D”), apontou
que para este ano as empresas consultadas pretendem investir 14,3% a
mais em treinamento e desenvolvimento, um índice superior ao PIB do
Brasil.
É um retrato
promissor, porém, aparentemente, não foi essa mesma visão que norteou as
empresas que inauguraram suas operações na Venda Direta brasileira nos
últimos 12 meses. Podemos especular que uma das prováveis causas dessa
negligência com a capacitação de suas equipes recém-criadas, é a
indisponibilidade de orçamento. No entanto, paradoxalmente, é justamente
toda a alocação de recursos investida em infraestrutura operacional e
em produtos que pode ser afetada negativamente e ser desperdiçada diante
da ausência de investimentos em treinamento e capacitação das equipes. É
por meio de treinamento estruturado que elas conhecerão e valorizarão
cada processo da empresa que representam.
Vejamos algumas
consequências da falta de treinamento para a Força de Vendas (gerentes
de venda e supervisoras de área) em uma empresa de Venda Direta:
- Consequência 1: Perda de foco e alocação de esforços distorcidos e ineficazes no trabalho de campo.
Causa (decorrente da falta de treinamento):
Desconhecimento
das prioridades da empresa (que podem mudar), sendo inicialmente a
construção de canal, podendo passar depois de alguns meses para retenção
do canal obtido na fase inicial e chegar, em uma terceira fase, no
desenvolvimento da produtividade de cada revendedor autônomo e no
aumento do ticket médio por cliente final.
- Consequência 2: Dificuldade em consolidar resultados efetivos nas fases iniciais da operação.
Causa (decorrente da falta de treinamento):
Dificuldade
em disseminar e explicar detalhadamente a metodologia e dinâmica
adotada pela empresa na definição das metas mensais (canal, vendas e
produtividade), gerando resistência e desconfiança na Força de vendas em
relação ao processo de definição de metas, que as recebe como que “por
obrigação”, sem cumplicidade.
- Consequência 3: Baixa eficiência operacional devido a retrabalho das áreas internas voltadas a apoiar a área comercial
Causa (decorrente da falta de treinamento):
Desconhecimento
dos processos internos e dos fluxos de trabalho das áreas de apoio, sem
a oportunidade de que todos conheçam de forma alinhada os instrumentos e
rituais que deveriam adotar e respeitar para que as áreas internas
trabalhassem de forma eficiente - para atividades como captação,
processamento de pedidos, envio de materiais para endereços atualizados e
para agirem em tempo hábil para reverter quadros desfavoráveis para a
operação e para a receita, como por exemplo, inadimplência e custos
decorrentes de faturamento incorreto de pedidos.
- Consequência 4: Incapacidade de uma gestão eficiente das equipes
Causa (decorrente da falta de treinamento):
Defasagem,
atraso ou fragilidade na disseminação estruturada de conceitos
fundamentais para toda e qualquer operação de venda direta, como a
orientação em profundidade do fluxo de gestão de Indicadores (“KPI’s “).
Muitos
empreendedores pensam em “pular” essa etapa, economizando no
investimento de Treinamento de sua Força de Vendas, por acreditar que os
processos e rituais de desenvolvimento do trabalho na sua empresa de
Venda Direta virão das experiências, ritmo de trabalho e preferências
dos próprios gestores recém-contratados, que, vindo de outras empresas
do mesmo segmento, já os trarão prontos.
Na
prática, essa visão distorcida acabará por criar uma empresa sem sua
própria identidade e cultura corporativa, com sérios conflitos em seus
fluxos internos, uma vez que suas práticas internas e mesmo em campo
(nas missões críticas de construção de canal, “market share” e “share of
mind” para os produtos), vai se consolidando como uma colcha de
retalhos de práticas subaproveitadas de outras empresas – frutos de
crenças, portfólio de produtos e estrutura operacional diferentes e
específicas. Para empresas que fizeram essa “opção estratégica”, a
economia no treinamento inicial que deveria cristalizar suas regras,
processos, missão e visão logo na etapa inicial do negócio será
refletida em custos maiores para re-orientar suas equipes “do zero” ou
mesmo reconstruí-las, talvez em um momento mais crítico no qual as
equipes já poderiam estar focadas e comprometidas na manutenção do canal
arduamente captado e no crescimento da produtividade média desse canal.
Com
a diversidade de metodologias e recursos que inclusive o ensino à
distância hoje proporciona, não há desculpas plausíveis para que as
empresas de Venda Direta negligenciem o investimento em treinamento de
suas equipes e Força de Vendas. A especificidade das práticas de
trabalho, a velocidade de crescimento e de mudanças neste segmento ano a
ano e a evolução no profissionalismo dos “players” é implacável com tal
“estratégia”.